Muito tem se falado sobre as transformações que estão acontecendo no mundo corporativo em virtude dos movimentos globais que perpassam pela sustentabilidade das operações, pelas dinâmicas sociais emergentes até os sentidos atribuídos ao trabalho. Transformações que geram profundo impacto nas relações estabelecidas, na saúde das pessoas, bem como, na perspectiva de construção de futuros para as organizações.
Estas mudanças macroestruturais impulsionam mudanças locais, e estas, por sua vez, condicionam alterações de crenças e valores individuais, e de comportamentos. Se durante muitas décadas o modelo fordista de organização do trabalho funcionou (sendo adaptado e atualizado) como referência, cada vez mais esse formato dá sinais de sua exaustão. A supervalorização da produção/resultados em detrimento de outros fatores intervenientes nos processos, a divisão das tarefas em pequenas frações com atividades pouco complexas, o predomínio da obediência a uma hierarquia estanque, a comunicação vertical (topdown) e rígida, a padronização de rotinas, a baixa interatividade e conexão produziram sim muitos resultados esperados para determinada época; mas produziu também muitos efeitos colaterais que, com o acúmulo deles ao longo do tempo, evidencia-se sua inadaptação aos dias atuais.
Em virtude das tantas impropriedades do antigo modelo, várias proposições alternativas têm sido apresentadas como um esforço de superação dos sistemas tradicionais ainda vigentes. Um aspecto fundamental a ser transformado diz respeito a comunicação, visto que não é mais justificável (ou aceitável) sustentar padrões comunicacionais anacrônicos dentro das organizações. A interação positiva entre as pessoas é um dos fatores que vem ocupando lugar de destaque em fóruns qualificados de discussão que analisam as condições de desenvolvimento do trabalho nas sociedades contemporâneas. Cultivar padrões saudáveis de interação, promovendo uma cultura dialógica e ágil vem se mostrando como um caminho desejado para a manutenção da saúde das pessoas e das organizações, por ser, obviamente, um aspecto de distinção em termos de vantagens competitivas.
Um artigo publicado na Harvard Business Review (2016) demonstrou que, nos últimos 20 anos, o trabalho colaborativo aumentou cerca de 50%, consumindo 85% ou mais das semanas de trabalho da maioria das pessoas. Porém, cabe perguntar: como tem sido estas interações? Como tem sido as relações entre as pessoas?
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup em mais de 160 países, contemplando mais de 35 milhões de trabalhadores identificou que 87% dos trabalhadores veem o trabalho como fonte de frustração; uma frustração que desemboca em desengajamento. Na investigação destes dados, descobriu-se que as dificuldades na comunicação/interação estão na origem deste quadro, ou seja, diálogos de baixa qualidade, falta de escuta e relações superficiais ou não confiáveis estão entre as maiores queixas.
As lideranças atentas a este cenário vêm buscando por soluções que possam cuidar eficientemente desta questão. Dentre as alternativas, a Comunicação Não-Violenta tem despertado grande interesse por ser identificada como uma abordagem que vai ao ponto mais central dessa discussão: a humanização das relações.
Mesmo não tendo sido sistematizada ou desenvolvida com foco nas organizações e mundo corporativo, a CNV, sigla da abordagem, tem sido introduzida nesses espaços, ganhando a simpatia e adesão das pessoas em diferentes níveis hierárquicos. Por convidar ao reposicionamento na forma de pensar, agir e de se comunicar com as pessoas a nossa volta, conosco e com estruturas macrossistêmicas, a CNV introduz em cenários áridos, de pouca ou nenhuma interação positiva, a possibilidades de criação de outras lógicas de relação. Ela estimula a adoção de um novo modelo comunicacional em que o foco da atenção se desloca do comportamento das pessoas para suas reais necessidades, escondidas por detrás de atitudes, em geral, violentas. E essa mudança faz muita diferença.
Assim, identificar e eliminar rótulos (consciente ou inconscientes) atribuídos a pessoas e situações, desenvolver habilidades de escuta e de autoconexão, ressignificar conflitos e a forma de geri-los, desenvolver senso de coletividade, desmontar imagens de inimigos, aprender a pedir de forma objetiva, reconhecer padrões de linguagem que geram distanciamento e sofrimento e detectar a reprodução violenta das desigualdades sociais nos espaços organizacionais são alguns dos alcances propostos pela integração da CNV nas organizações. Mudanças que contribuem de maneira relevante para o exercício eficiente e saudável da liderança.
Acrescentamos ainda que para a existência de segurança psicológica nos ambientes de trabalho, fator decisivo para a longevidade das organizações como afirma Edmondson (2020), esta segurança somente será constituída pela via do diálogo e da interconexão genuína entre as pessoas. Portanto, desconstruir padrões adoecidos de relacionamentos e ampliar possibilidades de convivência, de forma que as pessoas possam se reconhecer e ser reconhecidas pelo que fazem, constituindo relações satisfatórias entre si, se impõe como um modelo de gestão profundamente alinhado com os tempos atuais.
Transformando percepções da realidade e das práticas cotidianas, a CNV se mostra como uma estratégia cuidadosa e propositiva que tem muito a contribuir para cenários instáveis, complexos e desafiadores; adjetivos que podem bem caracterizar o dia a dia das organizações. Desenvolvendo habilidades embasadas no autocuidado e no autoconhecimento, na humanização das relações e no olhar crítico para nossa sociedade, a Comunicação Não- Violenta nos instiga a construir novas pontes com a realidade e a transitar por elas, sempre na busca de uma vida mais autêntica, segura e com conexões mais realísticas e verdadeiras. Um movimento essencialmente humano, possível e urgente.
Por fim, toda liderança em sintonia com o tempo presente, consciente do passado e que projeta futuros saudáveis em diversos níveis ao integrar a CNV em suas práticas e parâmetros de atuação tem uma grande chance de se transformar e, com isso, viabilizar mudanças que cuidam das pessoas, das relações e dos destinos da organização. E, se não são esses os grandes objetivos de quem exerce liderança, talvez precisemos começar outra conversa…
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CROSS, Rob; GRANT, Adam. Collaborative Overload. Disponível em: https://hbr.org/2016/01/collaborative-overload.
EDMONDSON, Amy. A organização sem medo. Rio de Janeiro: Alta books, 2020.
STATE of the Global Workplace Report 2013. Washington: Gallup, 2013.