Pode até parecer que é moda no mercado de trabalho querer ser mais criativo, mas existe uma razão técnica para isso. Segundo o World Economic Forum, criatividade é uma das 10 habilidades do futuro. O curioso é que quando se pergunta a outra pessoa se ela considera o adulto um ser criativo é comum se ter a resposta negativa. Já quando se pergunta a mesma pessoa se ela considera a criança um ser criativo, dessa vez é comum se ter a resposta positiva. É aí que se dá o pontapé no problema da criatividade no indivíduo, pois, se o adulto não é criativo, mas a criança é criativa e todo adulto já foi criança na vida, em algum momento essa característica se perdeu. E mais do que aprender como desenvolver tal habilidade, é fundamental entender o porquê dela se perder ao longo da vida.
Para entender o motivo disso se perder ao longo dos anos, temos que entender que, ao longo da vida, passamos por uma série de bloqueios, ainda que inconscientes, que pesam nesse processo. O primeiro é o bloqueio educacional, uma vez que nosso modelo educacional até hoje segue o mesmo modelo industrial da sua famosa revolução. Tudo possui horário pré-definido, tarefas repetidas e distribuição em linhas, com progressos lineares. A consequência disso é o aluno não ter liberdade de chegar a uma resposta não esperada, pois apenas aquela do gabarito serve, enquanto no mundo não existe um único gabarito para os seus problemas. O aluno aprende que fracassar é algo péssimo, sendo que na verdade é a melhor forma de se chegar ao resultado desejado é a tal tentativa e erro. Por fim, não há liberdade de praticar aquilo que dá tesão, mas sim o que o que já vem pré-definido para todos. Por essa e outras, segundo Ken Robinson, escolas matam a criatividade.
Um segundo bloqueio, seguindo a linha do tempo, é o mercadológico, onde a figura do especialista é vista como superior à do generalista, sendo que o segundo tem muito mais interface com ideias diferentes, que são a base da criatividade, e tem repertório mais vasto. Além disso, existe uma regra oculta nas corporações de que elas são lugares para seriedade, sendo que ambientes descontraídos são incubadoras de ideias criativas. Por fim, o profissional diz estar sempre ocupado, lhe faltando tempo para pensar em coisas diferentes, onde na verdade a falta de tempo é sinônimo de falta de prioridade.
Para finalizar, o terceiro bloqueio, que dessa vez ocorre por toda a vida, é o cerebral. O cérebro tende a fazer tudo pelo caminho que gastar menos energia. Essa economia de energia que fez a sociedade chegar até onde ela chegou em termos de evolução. Está no inconsciente do cérebro seguir tradições do ambiente onde está inserido, seguir a lógica e, também, o que está implícito. O problema é que, geralmente, aquilo que é considerado criativo está fora da tradição, da lógica e do implícito.
Uma vez preparado para se esquivar dos bloqueios acima, na medida do possível, é necessário se atentar agora aos mitos criados na sociedade acerca do tema. Pessoas acham que criatividade é coisa de artista, mas na verdade é para quem tem problemas a serem solucionados. Uma vez que todos têm problemas, criatividade é para todos.
Outro mito é que a pessoa nasce com o dom para isso. Todavia, ela nada mais é do que a capacidade de imaginar aplicada em resolver problemas. Se hoje a pessoa consegue imaginar, basta ela direcionar essa imaginação para solução de problemas. Tornando mais simples, é possível fugir da ideia de nascer com superpoder. E, obviamente, tudo é questão de treino, prática.
Um terceiro mito é que necessariamente tudo precisa ser criado. Mas, ao analisar todas as grandes criações da sociedade, percebe-se que elas nada mais foram do que produtos combinados entre si. Por exemplo, a primeira barraca pode ter sido uma simples combinação de bambu com folhas de bananeiras, coisas simples do dia a dia. Isso tira o peso de todos terem que ser criadores.
Por fim, o mito do acaso, em que pessoas acreditam que boas ideias surgem do nada. Na verdade, a eureca nasce a partir do momento em que a mente já está com os insumos necessários, o repertório, junto com um tempo necessário de incubação. Ou seja, é preciso dar tempo ao tempo para tudo se conectar. Sem isso, nada acontecerá por acaso.
Dito tudo isso, é possível voltar na discussão anterior. Crianças são criativas porque ainda não foram submetidas aos bloqueios descritos, tampouco foram entubadas com os mitos que a sociedade gera. O adulto, sim, passa por todo esse fluxo, como se estivesse em uma esteira de linha de produção e, quanto mais a esteira anda, mais ele perde esse superpoder de criança chamado criatividade. Não é uma tarefa fácil, mas, uma vez que se entende o porquê de tudo acontecer, é possível se policiar para se ter um menor impacto tanto em si mesmo quanto em gerações futuras que ainda vão pegar essa esteira do início.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KEEP LEARNING SCHOOL. Reaprendizagem criativa 2021 – Disponível em: https://www.keeplearning.school/dashboard. Acesso em: 18/02/2022 às 20h05 ROBINSON, Sir Ken. Libertando o Poder Criativo. São Paulo: HSM Editora. 2012.
JOHNSON, STEVEN. De onde vêm as boas ideias. Rio de janeiro: Zahar, 2011.