A Importância do Autoconhecimento no Desenvolvimento de Competências Comportamentais

O mundo passa por uma revolução na forma de pensar depois da publicação dos trabalhos de Daniel Kahneman e Amos Tversky. Sbicca (2014) descreve que a proposta de ambos teve papel fundamental na explicação sobre decisões. Ela relata que as pessoas normalmente não analisam eventos e nem mesmo avaliam suas probabilidades de ocorrência suficientemente. Por causa disso, suas decisões podem manifestar erros sistemáticos envolvendo características intrínsecas ao jeito de pensar, valorizar elementos e gerenciar seus próprios fatores sociais e emocionais do indivíduo como demonstrados por esses autores.

 

A influência de dinâmicas além da racionalidade mostra que atuação do indivíduo no contexto em que ele está inserido envolve o comportamento do eu “para fora”. Kertész (1987) defende que o comportamento de um indivíduo envolve sua personalidade, ou seja, é o modo habitual pelo qual o indivíduo pensa, sente, fala e atua. Para conseguir avaliar probabilidades e analisar eventos, ele “[…] recebe informação de fora e de dentro, analisa-a, compara-a com seu ‘banco de dados’ e toma decisões com todos estes dados” (KERTÉSZ, 1987, p. 31). As informações desse banco de dados incluem os elementos além dos seus conhecimentos.

 

O indivíduo que se deixa tomar por informações ou mensagens internas, a sua personalidade age com vieses. A intrusão de informações ou mensagens das partes que o compõe na tomada de decisão é chamada por Kertész (1987) de contaminação. A parte do indivíduo responsável pelos cálculos, relações lógicas e processamento de dados, contaminada por conteúdos aprendidos com figuras parentais importantes, como valores pessoais e regras, cria preconceitos. Quando é contaminada por aspectos biológicos e emocionais, cria fantasias e ilusões. Em ambos os casos, a tomada de decisão fica comprometida, já que se pauta em informações internas e não necessariamente reais.

 

A contaminação tem impactos diretos em competências como negociação. Shonk (2022) descreve que um dos erros comuns de ser cometido numa negociação é o foco em competição ao invés de colaboração. Tomadas de decisão em uma negociação contaminadas com sensações de medo de ser passado para trás ou por sentimento de ambição demais, o que é comum em negociações segundo a mesma, são sinais de que seus aspectos biológicos e emocionais estão contaminando suas decisões. Shonk ainda descreve que emoções intensas, outra forma de contaminação, previnem o indivíduo de tomar decisões racionais, outro erro comum em negociações. “A raiva pode nos levar a tomar decisões muito arriscadas, por exemplo” (SHONK, 2022, tradução nossa). Já os preconceitos são exemplificados pelo comportamento de “tomar atalhos éticos”, outro erro comum mencionado por ela. Os valores internos justificam tomadas de decisão que tenham como objetivo enganar os envolvidos em uma negociação em nome de incentivos financeiros o que, se refletido adequadamente, poderia ser evitado em nome de negociações mais vantajosas para os envolvidos e para o contexto em que a negociação está inserida.

 

Com a descrição das dinâmicas da personalidade na negociação, é possível expandir o olhar para perceber que elas têm potencial de envolver qualquer competência comportamental. Com o autoconhecimento, o indivíduo consegue entender seu “banco de dados” interno. Como descreve Kertész (1987), aquele que tem a sua disposição a consciência de suas dinâmicas pessoais “[…] é capaz de distinguir a melhor resposta diante de qualquer estímulo” (KERTÉSZ, 1987, p.68). Portanto, o trabalho com autoconhecimento é crucial para o indivíduo que deseja exercer o máximo do seu potencial evitando contaminações e aproveitando do seu repertório interno para reagir adequadamente a estímulos.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

KERTÉSZ, Roberto. Análise transacional ao vivo. 3 ed. São Paulo: Summus, 1987.

 

SBICCA, Adriana. Heurísticas no Estudo das Decisões Econômicas: Contribuições de Herbert Simon, Daniel Kahneman e Amos Tversky. SciELO. https://www.scielo.br/j/ee/a/KLdVTnmf6jmwKm7JRJqdFbz/?lang=pt Acessado em 26/04/2022.

 

SHONK, Kate. 5 Common Negotiation Mistakes and How You Can Avoid Them. Program on Negotiation. Harvard Law School. Daily blog. https://www.pon.harvard.edu/daily/negotiation-skills-daily/5-common-negotiation-mistakes-and-how-you-can-avoid-them/. 2022. Acessado em 26/04/2022.