A fundamentação do campo das finanças racionais, que reinou no mundo acadêmico-financeiro até meados do século XX, é embasada na teoria do Homo Economicus. Este serviu como norteador de teorias, como da Teoria da Utilidade Esperada, e pautou-se nos princípios da racionalidade perfeita, autointeresse perfeito e da informação perfeita, mas que na realidade é uma simplificação do ser humano para adequação aos modelos matemáticos, justificando, assim, tomadas de decisões. Com o avanço das pesquisas, a área da psicologia adentrou-se ao mundo do comportamento financeiro, e estudos como os de Kahneman e Tversky, que deram origem à Teoria da Perspectiva, vêm de encontro com as suposições da Teoria da Utilidade Esperada (HERBERT; BASSO; KRAUTER, 2021).
O pensamento rápido e devagar, proposto por Daniel Kahneman, convém como uma ilustração desse paradoxo. O estudo explica que não há, em realidade, essa distinção de pensamento, e o estudo serve como uma forma de abstrair o conceito de compreender o cérebro humano. Essa abstração é ilustrada em sua obra como sistema 1, de pensamento rápido e automático, e sistema 2, de pensamento devagar e complexo. Experimentos, como o de Muller Lyer, servem para fundamentar seus estudos (KAHNEMAN, 2012). Apresenta duas linhas, A e B, de mesmo tamanho, mas as setas apontando para sentidos diferentes. Nosso sistema 1 automaticamente nos faz pensar que a linha A é maior, quando na realidade ambas possuem o mesmo tamanho. Após esse experimento, quando exposto novamente, nosso cérebro já terá assimilado a resposta do desafio, pois nosso sistema 2 já conseguiu processá-lo. Mas não importa quantas vezes o experimento for visualizado, a sensação sempre será que as linhas possuem tamanhos distintos, pois o cérebro humano sempre buscará pela solução mais fácil e razoável.
A partir desse pensamento, Housel (2021) trouxe a reflexão de que o ser humano é mais do que uma planilha de estudos matemáticos e que ser razoável em nossas decisões, levando em conta o campo emocional levantado pela Teoria da Perspectiva, é também ser mais realista. O exemplo a esta teoria é a cura da Sífilis, usando-se a “malarioterapia” do médico Wagner-Jauregg. Esse tratamento se baseou na cura de doenças mentais por meio da indução da febre, o que parece ser racional, no entanto, não é razoável, e pouco tempo depois esse tratamento foi substituído pela penicilina. O motivo da falta de razoabilidade é óbvio: a febre causa dor. Logo, por mais racional e benéfico que seja a indução da febre no corpo humano para o combate às infecções, nossos sentidos emocionais e cognitivos querem encontrar a solução mais satisfatória e rápida, que é a de tomar um remédio para o combate daquilo que está causando desconforto, que, no caso deste exemplo, é a febre (HOUSEL, 2021).
Os estudos acerca da psicologia humana na tomada de decisões e dos vieses comportamentais realizam a ancoragem da Teoria da Perspectiva, que vai de encontro à Teoria Econômica Racional, causando choque e divisões teóricas sobre a capacidade do ser humano em tomar decisões racionais. Comprova que temos limitações cognitivas, colocando a teoria do Homo Economicus num patamar de utopia. No entanto, essa ruptura não decide ou comprova a integralidade científica dessas teorias, mas causa um refinamento benéfico dos estudos. A partir disso, entende-se que o campo das finanças comportamentais se encontra num caminho contínuo de desenvolvimento, e que, apesar de parecer um mundo meramente matemático, existem muitas outras áreas de interferência nas tomadas de decisões, que é o que os estudos comportamentais vêm agregando aos novos conceitos contemporâneos do mundo financeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HERBERT, K.; BASSO, L. F C.; KRAUTER, E. Paradoxos em finanças: Teoria Moderna versus Finanças Comportamentais. Leitura Complementar, Pós-graduação – Gestão de Negócios com foco em Competências Comportamentais, Disciplina 9, Módulo 1. Rio de Janeiro, RJ, 2021.
HOUSEL, Morgan. Psicologia Financeira: lições atemporais sobre fortuna, ganância e felicidade. Tradução: Roberta Clapp, Bruno Fiuza. 1. Ed. Rio de Janeiro, RJ: Harper Colins Brasil, 2021.
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. 1. Ed. São Paulo, SP: Objetiva, 2012.