O papel do senso de justiça dentro do processo de negociação

Em mais de 10 anos ministrando palestras de negociação pelo Brasil e pelo mundo, uma pergunta é sempre constante: devemos realmente nos importar com a outra parte? Frente a isso, vejo que é mais do que necessário conversarmos sobre o papel do senso de justiça dentro da negociação.

 

A primeira coisa que precisamos entender quando falamos sobre senso de justiça e seu impacto dentro do processo negocial é que empresas não negociam com empresas, e sim seres humanos negociam com seres humanos. Por mais que tenhamos a empresa X em conflito com a empresa Y, na hora de sentar em uma mesa para negociar, são pessoas que tomarão a decisão. E isto muda tudo.

 

Quero começar esse artigo citando uma frase que John Paul Getty, bilionário americano e fundador da Getty Oil Company, atribui a seu pai:

 

“Você nunca deve tentar levar todo o dinheiro que está em um acordo. Deixe o outro lado ganhar algum dinheiro também, porque se você tem a reputação de sempre ganhar todo o dinheiro, você não terá muitos negócios.”

 

Certamente, eu não desprezaria um conselho que um bilionário tem como referência. Vejo com excelentes olhos o conselho de George Getty, patriarca da família.

 

A frase de Getty, embora pouco conhecida, sempre me marcou bastante e, felizmente, ela pode ser demonstrada e validada com experimentos modernos de estudos comportamentais do processo de julgamento e tomada de decisão humana.

 

A pergunta sobre o papel que o senso de justiça desempenha nas negociações pode ser respondida pelo brilhante estudo conduzido por Joseph Henrich, da Universidade de Harvard, e que foi relatado no livro “Sway – The Irresistible Pull Of Irrational Behavior” (A Força do Absurdo, no Brasil), de Ori e Rom Brafman.

 

Para responder a essa e a outras perguntas, Henrich criou uma experiência social muito simples. Dois jogadores eram colocados em salas separadas, impedidos de se comunicar. Antes de serem separados, um dos jogadores era sorteado e a este era entregue uma nota de US$ 100. Então, ele deveria sugerir uma divisão dos valores entre os dois jogadores. A pessoa poderia dividir o dinheiro da maneira que quisesse, desde que ambas as partes concordassem com a divisão. A decisão deveria ser tomada estando sozinho e isolado, e depois apresentada à outra parte. Caso as partes não concordassem, ninguém levaria nenhuma quantia.

 

Como era de se esperar, na maioria das vezes a proposta foi a divisão igualitária (US$ 50/ US$ 50) – a qual foi prontamente aceita pela outra parte. Mas a análise que realmente nos interessa dessa história se encontra quando o sorteado resolveu adotar uma divisão que, claramente, o favorecesse. Neste caso, na maioria absoluta das vezes, a divisão foi rejeitada pelo outro lado.

Isso parece lógico para você? O outro jogador preferiu ir para casa com US$ 0 ao invés de voltar para casa com US$ 40, US$ 20 ou mesmo US$ 10. Racionalmente, não faz sentido. Mas devemos nos lembrar do que falamos anteriormente: pessoas negociam com pessoas. E essas pessoas preferiram voltar para casa sem nada, mas com a sensação de que a justiça foi feita.

 

Uma curiosidade adicional: Henrich realizou uma outra experiência em que um computador realizava a divisão aleatória dos US$ 100. Nesse cenário, em sua totalidade, os acordos foram aceitos.

 

E o que podemos aprender com isso?

 

Fatores humanos e psicológicos contam muito em um processo de negociação. Muitas vezes, propostas que possam parecer injustas, mesmo que haja benefício para os dois lados, podem criar empecilhos ou gerar entropia no processo de negociação, dificultando o fechamento de acordos. Isso não quer dizer que você precise fazer propostas fáceis ou caridosas. Muito pelo contrário. Você pode e deve fazer propostas agressivas e que defendam seus interesses, mas certificando-se que a proposta seja justificável e que você, facilmente, possa explicar isso para o outro lado.

 

Como justificar que você deveria ficar com US$ 60 dólares e a outra parte US$ 40? Talvez demonstrando a ele que os US$ 10 são um valor justo pelo risco e o tempo que você levou para tomar a decisão, quem sabe sua proposta não terá mais chance de ser aceita? No fundo, somos todos humanos. E essa é a graça do jogo.

 

Rodrigo Lang, sócio-fundador do BBI of Chicago.

Foi fundador de um dos maiores grupos de educação do Brasil no início dos anos 2000.

Com vasta experiência em consultoria em mais de 30 países, Lang desenvolveu uma das metodologias consideradas referência no mundo da negociação.