Um Modelo Comunica Mais que Mil Planos

Para começar um negócio é comum ouvir o famoso conselho de “faça o Plano de Negócios”. Professores nas melhores faculdades do país ensinam e estimulam o desenvolvimento de planos mirabolantes. Horas e mais horas são dispendiadas na criação de um documento elaboradíssimo. Projeções de retorno futuras são sacadas da cartola do empreendedor para impressionar amigos, familiares e possíveis investidores. Mas, mesmo com planos excepcionais, qualquer empreendedor que já escreveu um plano de negócios para sua startup sabe que as situações mudam drasticamente em questões de meses, semanas ou até dias.

 

Quem está ligado no ecossistema de negócios brasileiro conhece o termo “pivotar”, um neologismo que significa “redirecionar o curso” da sua empresa. Por exemplo, o tão famoso Instagram não foi sempre o que é hoje. Inicialmente ele se chamava Burbn e seu propósito era fazer check-in nos locais visitados, tirar fotos e mais um monte de funcionalidades confusas. Acontece que, após uma viagem com sua noiva, o fundador, Kevin Systrom, percebeu que a funcionalidade que era mais bem recebida era a de fotos com filtros. Em seguida, Kevin e seu cofundador brasileiro, Mike Krieger, reconstruíram o aplicativo mantendo apenas essa funcionalidade e mudando completamente seu rumo.

 

Todo empreendedor tem uma certeza, que encontrará muita mudança em seus planos. Flexibilidade e velocidade para pivotar são duas vantagens das startups frente às grandes empresas. Os planos não duram muito. Quando fundei minha startup em 2017, caí nessa “armadilha” de querer planejar demais. Refiz meu plano de negócios três vezes em seis meses. Não se engane. Eu não parei de fazer planos de negócios porque bolei o plano perfeito, mas sim porque reconheci o desperdício de energia e encontrei uma ferramenta mais adequada: o Business Model Canvas (BMC).

 

Resultado da tese de PhD do suíço Alexander Osterwalder sobre a ontologia dos modelos de negócio, o Business Model Canvas traduz simplicidade e praticidade. Nas palavras de seu criador, o BMC “age como uma ferramenta para planejar como sua empresa cria, entrega e captura valor”. Em seus nove blocos, a ferramenta consegue resumir um processo antes demorado em algo relativamente rápido que pode ser atualizado recorrentemente. Dessa maneira, o empreendedor é forçado a deixar de lado a ‘’encheção de linguiça’’ e enxergar seu modelo de negócios com mais objetividade.

 

Veementemente, contra o “lero-lero” e aconselhando empreendedores a queimarem seus planos de negócios, Osterwalder elaborou três regras para você aproveitar ao máximo a elaboração de seu Business Model Canvas:

 

  • Primeira Regra: use Post-its. A capacidade de desapegar-se de suas ideias é uma das principais diferenças do Business Model Canvas e o Plano de Negócios. A única certeza desse Canvas é que ele mudará. Use-o como a ferramenta que é, a ferramenta que se adapta às incertezas do mundo de startups. Houve mudança? Arranque-o e escreva um novo Post-it.
  • Segunda Regra: não escreva em bullet points. Caso você compile diferentes ideias em um mesmo Post-it, você estará resistente à mudança, pois caso um dos itens não seja mais pertinente, você inconscientemente evitará retirá-lo. Mais uma vez, não se apegue às ideias.
  • Terceira Regra: seja específico e simplista. Osterwalder até recomenda o uso de desenhos para transmitir mais informações em menos espaço. Ou melhor, use desenhos e palavras juntas. Assim, evita-se o ‘’lero-lero’’ do plano de negócios e frases de efeito genéricas. Um exemplo seria ao identificar a fonte de receita do Google como “Leilão de Palavras” ao invés de “Marketing”. Use o modelo para ir fundo.
  • Quarta Regra: mais ação, menos falação. Evite planejar o planejamento. Apenas comece de qualquer lugar. Seu ponto de início não é tão relevante quanto você imagina, pois depende da situação do empreendedor. Alguém com uma parceria muito forte pode optar por começar pelos Parceiros Chaves enquanto alguém com foco na Proposta de Valor pode optar pelo meio. O importante é começar e isso é válido de qualquer ponto do modelo.

 

Seja a pessoa que consegue aprender com o erro dos outros além dos próprios. As regras acima muitas vezes podem parecer um preciosismo de empreendedor querendo usar Post-its e ser descolado, mas peço que pense pela perspectiva de Osterwalder e sua equipe da Strategyzer. A visão de quem já realizou milhares de Business Model Canvas.

 

Curiosamente, algo que surgiu dessa vasta experiência em modelos foi uma linguagem compartilhada comum para sua equipe. Evita-se que muito seja falado e nada entendido. Afinal, é provável que você explorará o BMC com algum amigo, sócio ou colegas de trabalho. Para não desperdiçar o tempo de nenhuma das partes, ajuda se falarem a mesma “língua” e o mesmo modelo mental.

 

É a modelagem simplista que o modelo se destaca. Dividido em nove blocos, igualmente importantes, o Business Model Canvas resume em uma folha uma visão completa de seu negócio: dos seus clientes até seus parceiros, das suas fontes de receita até suas estruturas de custo, tudo com sua proposta de valor ao centro.

 

Digitando “Business Model Canvas Strategyzer” no Google você encontrará o documento online oficial do Alexander Osterwalder gratuitamente. O documento é tão difundido que já tem sua página na Wikipedia. Além disso, também encontrará no YouTube um acervo com mais de milhares de vídeos elaborando o modelo de negócios das mais variadas empresas.

 

É tarefa fácil gastar horas assistindo outras pessoas utilizarem a ferramenta. No entanto, o aprendizado como qualquer ferreiro, artesão ou usuário de ferramenta vem da prática. Pense em uma empresa e apenas comece. Após ter finalizado, compare com o de outros empreendedores em vídeos na internet e descubra perspectivas, ou até mesmo segmentos da empresa, que passaram despercebidos por você.

 

Uma causa que diferencia bastante o resultado dos modelos de negócios são as perguntas que você faz em cada um dos blocos. Perguntar em si é uma habilidade a ser treinada. No artigo “The Art of Powerful Questions”, publicado em 2003, Vogt, Brown e Isaacs analisam a arquitetura de perguntas poderosas através de três eixos: construção, suposição e escopo.

 

No primeiro eixo trata-se de construção linguística da pergunta para que se abram mais possibilidades de resposta. Assim, estabelecem uma hierarquia de perguntas poderosas com “Por que”, “Como” e “O que” no topo, seguidas de “Quem”, “Quando” e “Onde”. Por fim, as perguntas de “Sim e Não” estão na base como as mais fracas. Importante ressaltar que o poder das perguntas é baseado na capacidade de capturar informações valiosas. É evidente que existem situações, como um pedido de casamento, que você quer um sim ou um não.

 

Para o segundo eixo, os autores definem o escopo das perguntas, a escala. Quanto mais específica, mais ela influenciará a ação. Por exemplo, “Como podemos consertar a economia?” para “Como podemos consertar nossa empresa?” são dois escopos que trazem aspectos de efetividade e conclusões significativamente distintas.

 

Em finalização, o eixo das suposições abrange o que está implícito e explícito nas perguntas. Isso criará contexto e direção da pergunta, seja de maneira intencional ou não. A escolha das palavras é importante, pois enquadrará a pergunta. Veja a diferença de perguntar “Como podemos colaborar com os americanos?” comparado a “Como podemos competir com os americanos?”. Atente-se ao direcionamento da pergunta.

 

Essa análise técnica e aprofundada de perguntas pode até parecer confusa, mas ela funciona naturalmente para muitos de nós. Acontece que quando conseguimos ajustar nossas perguntas à profundidade das informações que queremos coletar, nossa curiosidade torna-se mais objetiva. Saber fazer perguntas é uma habilidade que passa muito desapercebida, mas lembre-se que quem faz as perguntas lidera a discussão. Logo compartilharei com você algumas perguntas mais objetivas ou mais genéricas que te ajudarão a preencher o Business Model Canvas e tornar seu time mais eficiente no processo de modelagem.

 

Para o bloco da Proposta de Valor, pense em perguntas com resposta em aspecto positivo mais que negativo. Ao invés de expor os problemas a serem solucionados, pense em “Quais necessidades dos clientes estamos satisfazendo?” ou “Que valor entregamos a nossos clientes?” Mais do que focar em o que as pessoas querem, foque no que elas querem feito. Há a famosa frase de Henry Ford – que ninguém sabe ao certo se foi proferida ou não: “Se perguntasse às pessoas o que elas queriam, diriam cavalos mais rápidos, não carros.” Acontece que Ford focava na tarefa de levar as pessoas do ponto A ao B. Outro exemplo é a tarefa de ouvir música comparada às possíveis soluções musicais: cassetes, CDs, ipods e streaming. A tarefa de ouvir música permanece a mesma, mas as soluções mudam drasticamente.

 

No entanto, identificar as tarefas com as respectivas dores e ganhos do cliente não é tão simples quanto parece. Dada a complexidade dessa etapa, o próprio Alexander Osterwalder desenvolveu uma outra ferramenta específica para encontrar o que chamamos de Product-Market Fit, a Value Proposition Canvas. Você também poderá encontrar mais informações e vídeos sobre como aplica-la antes ou depois do Business Model Canvas, pois englobam as áreas de Proposta de Valor e Segmento de Clientes.

 

Continuando, no bloco de Segmento de Clientes é preciso ser pontual. Assim é válido fazer perguntas como “Para quem estamos criando valor?” e “Quais os segmentos de consumidores mais importantes para meu negócio?”. Lembre-se de ser mais específico que apenas dados demográficos. Por exemplo, ao invés de “Lideranças no Mercado Financeiro” vá mais a fundo como em “CFOs de Fundos de Renda Fixa”. Lembre-se que você está criando algo inicialmente pequeno e simples, não ajustando a estratégia de uma multinacional, logo, nichos e subnichos são excelentes para validar ideias e testar produtos.

 

Com o Segmento de Clientes e a Proposta de Valor estabelecidos, pergunte agora sobre os meios, os “Comos”. “Como entregaremos o valor aos clientes?” e “Como os clientes esperam que nos relacionaremos com eles?”. Assim temos os blocos de Canais de Distribuição e de Relacionamento.

 

Para terminar o lado direito do Business Model Canvas, defina o bloco das Fontes de Renda do seu negócio. Seja abrangente no “Como precificar o serviço?” e específico no “Qual produto ou serviço o cliente está disposto a pagar”. Como exemplificamos acima com o Google, “Leilão de Palavras” é melhor que “Propaganda”.

 

Em sequência, faremos a pergunta “O que nossa proposta de valor, canais, fontes de renda e relacionamentos requerem?” no bloco dos Recursos-Chave. Tenha sempre a mentalidade enxuta de MVP (Minimum Viable Product) e evite requintes. Dessa forma, você ainda poderá especificar em recursos físicos, intelectuais, humanos e financeiros dependendo de sua empresa. Baseado nos recursos necessários, pode-se inferir o bloco das Atividades-Chaves em como utilizar os recursos para entregar o máximo de valor ao cliente. Nesse item, o foco é mais diário em “Como utilizar os recursos?” ou “Quais atividades precisam ser realizadas para entregar a proposta de valor?”

 

No extremo esquerdo do Canvas, você encontrará o bloco de Parceiros-Chave, onde é útil começar com um pensamento de escopo aberto para identificar possibilidades “Como podemos alavancar nossa empresa?” e depois especificar nos itens “Quem pode nos ajudar a crescer?”. É importante ressaltar que muitos parceiros passam desapercebidos. Quando se tem nos Canais de Distribuição meios como redes sociais e e-mail, poucas pessoas lembram de especificar, por exemplo, Facebook e Google nos parceiros-chave.

 

Por fim, contabilizando os recursos, atividades e parcerias, pode-se estabelecer o bloco da Estrutura de Custos. “Qual a recorrência dos custos dos recursos, atividades e parcerias”, “Como reduzir custos?”, “O que podemos fazer para sermos mais enxutos?” Tente entender a fundo a sua estrutura, dividir custos em fixos e variáveis é algo que também ajuda em perspectiva.

 

Incontáveis são as perguntas que podem ser feitas em cada um dos blocos. Não busque a perfeição, mas a eficácia. Ao terminar o processo, tire fotos, guarde-o e aplique-o. A simplicidade desse modelo joga a seu favor, pois lembre-se que ele será refeito e atualizado constantemente. E está tudo bem. Faz parte da sua jornada de empreendedor. Assim como um explorador, você tem uma missão: encontrar os problemas de seus clientes e prover soluções. Portanto, seja humilde e não se apegue às suas soluções. Afinal, clientes contratam produtos e serviços para realizar tarefas. Tarefas duram, produtos não.